29 de novembro de 2013

O Rapto de Europa, Peter Paul Rubens

Peter Paul Rubens,
Rapto de Europa, 1628/29
Museo del Prado
Amores proibidos com um final feliz. A bela Europa terá sido seduzida pela opulência de um toiro que se deitou aos seus pés com ar pacífico e de um olhar ternurento. Primeiro afagou-o, depois sentou-se-lhe no dorso e depois de algumas carícias trocadas o touro empreendeu um voo por cima do oceano. A pobre princesa fenícia ficou assustadíssima. Mas não tardou a perceber que o raptor só podia ser Zeus disfarçado, pois ao longo da sua viagem verificou que das ondas emergiam peixes, tritões e sereias a acenar-lhes num cortejo nupcial. Até Posídeon apareceu agitando o seu tridente. Da união de Zeus e Europa nasceram três filhos: o valente Sarpédon, o justo Radamanto e o lendário Minos, rei de Creta.
Europa coroada deu nome a todo o território a Ocidente…

25 de novembro de 2013

Rembrandt, A Ronda nocturna, 1642

Rembrandt
A ronda nocturna (De Nachtwacht), 1642 
Óleo sobre tela, 359 × 438 cm 
Rijksmuseum (Amsterdão)

Existe uma cópia que prova que este quadro sofreu um corte:

Cópia de 1712


22 de novembro de 2013

Rubens, A Consequência da Guerra, 1637-38

Peter Paul Rubens
A Consequência da Guerra, 1637-38
Óleo s/tela 206 cm × 345 cm
Palácio Pitti, Florença



Rubens,
Detentor de um estilo próprio, Rubens arrebata, nos seus quadros cheios de cenas complexas, cores mais suaves revelando detalhes pormenorizados ao contrário dos seus congéneres italianos. O seu talento foi rapidamente reconhecido alcançando um lugar de destaque no mundo das artes do século XVII (BARROCO). Contratado pelo duque de Mântua, Vicenzo Gonzaga, para quem passou a trabalhar com dedicação total por um período de tempo significativo, foi conquistando prestígio na corte ganhando influência com pessoas importantes e poderosas. Homem de confiança do duque de Mântua desempenhou várias missões diplomáticas em Espanha e em Itália.
Rubens, que nunca deixou de pintar, vivenciou os horrores da guerra (Guerra dos 30 anos, 1618-1648), uma série de conflitos travados sobretudo no centro da Europa, actual Alemanha, envolvendo vários estados. Inicialmente estes conflitos estavam enraizados numa disputa de cariz religioso entre Protestantes e Católicos acentuando os antagonismos das duas facções evoluindo rapidamente para contendas entre os vários principados germânicos. O Sacro Império Romano-Germânico,  católico, instrumento político da família dos Habsburgos, perdia influência para a Alemanha Luterana e via-se ameaçada pelo poder crescente dos Suecos e, principalmente, dos Franceses. À medida que o conflito se desenhava as tensões religiosas agravavam-se na Alemanha, reinado de Rodolfo II, período durante o qual foram destruídas muitas igrejas protestantes. Este conflito devastador, talvez, o maior na história europeia, começou com uma disputa religiosa, dita "Palatino-Boémia" (1618-1625), numa segunda fase o conflito assumiu um carácter internacional numa altura em que os estados germânicos protestantes buscavam ajuda no exterior contra os católicos; o envolvimento dinamarquês (1625-1629), seguida da intervenção sueca (1630), terminou com o envolvimento dos franceses (1635-1648) agora numa luta pela hegemonia na Europa Ocidental, travada pelos Habsburgos e a corte de Luís XIV, Rei Sol, recentemente empossado (1643).
É neste contexto histórico que Rubens pintou “Consequências da Guerra, 1637-38”. Numa pincelada gestual imprimindo movimento às formas são revelados todos os detalhes. Marte, deus romano da guerra, que é a figura principal apresenta-se de couraça e capacete empunhando a espada, enfatizado por uma capa vermelha, espezinhando um livro e um desenho: símbolo da violência que a guerra impõe à cultura de qualquer povo. A destruição protagonizada por Marte é impedida por Vénus, deusa do amor, atraindo a atenção de todos aqueles que sofrem os horrores da guerra. Vénus esforça-se por conter Marte e manter a paz coadjuvada por Cupido e Amors –cupido romano- (Omnia vincit amor et nos cedamus amori) – o amor tudo vence, numa alusão a Vergílio (éclogas X). No chão podemos ver as setas e um ramo de oliveira que quando juntas ao caduceu significam concórdia. Vénus é representada nua, visão clássica, suplicando melancolicamente a Marte, num derradeiro esforço para manter a paz.

Se há características formais que definem Rubens é a representação feminina, nomeadamente os nus. Vénus com os rolos e colares preciosos adornando o penteado associado à nudez manifesta em formas roliças dão configuração à mulher “rubeniana”. (Ver “O Desembarque em Marselha" de Maria de Médicis, “O Julgamento de Páris”, “As três Graças”, “Vénus ao Espelho”, etc.).
Numa paleta harmónica, os contrastes diferenciam-se dos pintores tridentinos atingindo uma atmosfera pictórica que fará escola no norte europeu.


É nesta dicotomia (Guerra e Paz) que a cena se desenrola: do lado direito a Fúria de Alecto (encarnação grega e romana da raiva: ira implacável ou incessante[1]) arrasta Marte para o seu propósito destrutivo erguendo uma tocha. Nas trevas podemos observar dois monstros simbolizando os efeitos da guerra, a Pestilência e a Fome, acentuando o dramatismo onde põem em causa a Harmonia representada pela mulher segurando em vão o alaúde, assim como o Arquitecto desesperado agarrando o compasso. No âmago deste caos uma mulher tenta salvar o filho.
Do lado esquerdo da pintura, o Templo de Janus –deus da mudança- aparece com a porta entreaberta.

Numa referência aos poemas de Ovídio, Fasti, era usual na Roma Antiga, o Templo de Janus ser fechado para indicar tempos de paz, enquanto uma porta aberta indicava guerra.

Linhas implícitas da composição
Toda a composição se desenrola num grande eixo (diagonal descendente, da esquerda para a direita) e deixei para o fim a mulher de negro, Europa, representando o mundo cristão que se digladiava infringindo o maior dos sofrimentos aos seus povos.



[1] Eneida de Virgílio e Inferno de Dante

14 de novembro de 2013

Caravaggio, Morte da Virgem Maria, 1602-06

Caravaggio
Morte da Virgem Maria, 1602-06
Óleo s/tela, 369 x 245 cm 
Museu do Louvre, Paris

9 de novembro de 2013

Peter Paul Rubens, Desembarque em Marselha, 1622-25

Peter Paul Rubens
Desembarque em Marselha, 1622-25
Óleo s/tela 394 × 295 cm
Museu do Louvre


Maria de Médicis, a grande banqueira.
A família Médicis era credora de uma avultada quantia da coroa francesa (600.000 coroas). Houve contactos entre as duas famílias. E após algumas diligências diplomáticas seguiram-se trocas de cartas de amor, envio de retratos a óleo autenticando quão bela era a donzela. As confidências partilhadas deixaram Henrique IV, Rei de França, rendido aos dotes de Maria de Médicis.
Rubens retrata “O desembarque em Marselha” (data da pintura: 1621-1625) da futura rainha de França, Maria de Médicis, em 03 de Novembro de 1600, com toda a pompa e circunstância: os gestos, as roupas, os detalhes de uma paleta de cores cuidadosamente distribuída traduz a excitação e a agitação provocado por tal acontecimento.
Ao invés da tradicional composição plástica barroca, de fazer incidir a atenção nas áreas iluminadas por oposição ao fundo, zonas escuras, altamente contrastadas, Rubens recorre à cor vermelha, nomeadamente a panejamentos, para deslocar a atenção para o/s “ponto/s forte/s”. É neste jogo cromático e nos pequenos detalhes formais que a cena se desenrola, não deixando indiferente o observador que percorre o olhar pelas sucessivas diagonais implícitas da composição.



Paradoxalmente podemos considerar que este quadro não é um mas, sim, dois quadros; e contrariamente a todas as regras de equilíbrio formal, de uma pintura de paisagem, este quadro foi feito na vertical provocando, intencionalmente, uma leitura dupla. Assim, a parte inferior do quadro, onde as três ninfas ajudam Neptuno a encostar a Nau rivaliza, em estatuto de primeiro plano, com o desembarque de Maria de Médicis acompanhada em todo o seu esplendor majestoso por um homem, com elmo, vestido com um manto azul bordado a ouro com flores-de-lis representando iconograficamente a França. A outra mulher, com uma coroa de torres, representa a cidade de Marselha. A deusa da Fama[1] anuncia com trombetas douradas o desembarque da rainha em França, tudo isto no plano superior do quadro. Contudo, Rubens apesar de ter partilhado a tendência típica da época barroca, presente nas cores exuberantes, na riqueza dos trajes, nos detalhes dourados, não deixou de reflectir o classicismo presenta em cenas mitológicas. Formalmente a composição assenta em simetrias dinâmicas apoiadas em sucessivas diagonais sublinhadas pela torção das figuras mitológicas.
Rubens imprimia à pintura um clima de triunfo mundano, e dizia: “O importante não é viver muito, mas viver bem!”.







[1] Fama, a deusa de 100 bocas
A Fama, divindade alada, filha de Titã e Geia, famosa na Roma Antiga, cultuada no mundo contemporâneo, era mensageira de Júpiter, tinha a cara de louca e voava à frente do seu cortejo, disseminando mentiras e verdades por suas 100 bocas. O poeta Virgílio (71 a.C.-14 d.C.) a cantou como o mais rápido dos flagelos por causa de "sua mobilidade", de onde vinham "suas forças que ela aumenta correndo. Pouco temível, a princípio, em breve sobe aos ares e , com os pés presos no chão, esconde a cabeça nas nuvens. Monstro horrível, voa de noite entre o céu e a terra e nunca dorme, de dia espreita do cimo dos palácios, no alto das torres, amedrontando as grandes cidades, semeando mentiras e verdades".

6 de novembro de 2013

Le Bourgeois Gentilhomme

Frontispício e página-título de edição de 1688 do Bourgeois gentilhomme.



4 de novembro de 2013

"Caridade Romana"

Peter Paul Rubens, Pero e Cimon, 1630.
Óleo s/tela, 155x190 cm
Rijksmuseum, Amesterdão
“Mamar na chucha”
Apresentei esta imagem aos meus alunos, como forma de provocação, pedindo-lhes que identificassem esta pintura, isto é, a sua interpretação iconológica subjacente; em primeiro lugar a mensagem (tema), depois o autor, a época e a sua envolvência sociocultural. Alertei-os que olhar não é ver. E nem tudo o que parece é. Mas, o mais afoito, o Carlos, sem tento na língua expressou o nível mais básico de entendimento: “mamar na chucha”!
Deu-me a “deixa” pretendida para que pudesse explanar a história exemplar de uma filha (Pero) que secretamente amamenta o pai (Cimon) depois que ele ser preso e condenado à morte por inanição. O antigo historiador romano Valerius Maximus regista este acontecimento como um grande acto de piedade filial e honra romana em De FACTIS Dictisque Memorabilibus, Libri IX:conhecida por Caridade romana. Entre os romanos o tema não era desconhecido, já os etruscos cultivavam o mito de Juno a amamentar o adulto Hércules sublinhando o valor altruístico.
Regressados ao quadro (pintura) de Peter Paul Rubens, retirada toda a carga erótica atribuída pelo aluno, foi mais fácil descodificar toda a acção: Pero é descoberta pelos guardas (no canto superior direito) a amamentar Cimon (pai) agrilhoado no cárcere. O amor deste acto impressiona a justiça ordenando a sua libertação.

3 de novembro de 2013

Artemisia Gentileschi

Inúmeras mulheres poderiam ser recordadas, enaltecidas, pelos seus feitos, pelo sofrimento ou pela humilhação infringida, neste dia. A minha singela homenagem sintetizada em Artemisia Gentileschi a primeira mulher a entrar para a Academia de Arte de Florença.


Artemisia Gentileschi (Roma, 1593 – Nápoles, 1653)
Judith e a sua Serva (1613-14)
Óleo s/tela 
Palazzo Pitti, Florence


* * *

2 de novembro de 2013

Características da pintura Barroca

Caravaggio*
Incredulidade de Santo Tomé, 1599

*Michelangelo Merisi, mais conhecido por Caravaggio, nasceu em Porto Ecole em 1571, e faleceu no mesmo local em 1610. Embora tenha vivido na transição entre o Maneirismo e o Barroco, a sua obra pictórica enquadra-se no estilo Barroco.
A génese da arte Barroca teve o seu auge de popularidade na arte da Contra-Reforma como uma reafirmação da doutrina católica contra a rejeição dos protestantes a estas práticas. A Incredulidade de S. Tomé, de Caravaggio, sintetiza todo o paradigma do pensamento seiscentista saído do Concílio de Trento. A imagem para enfatizar a importância das experiências físicas, estendidas pelos teólogos às peregrinações, à veneração das relíquias e ao ritual, deveria ser utilizada para reforçar as crenças cristãs.



As características principais da pintura Barroca são:
  • Composição assente em diagonais. 
  • Uso do claro-escuro acentuando o contraste: recurso usado para intensificar a sensação de profundidade. 
  • Substituindo o equilíbrio geométrico renascentista a pintura Barroca adopta um estilo monumental, teatral. 
  • A utilização de uma luz pontual reforça a intensidade dramática. 
  • A luz não aparece de uma maneira natural, mas sim projectada conduzindo o olhar para o centro dos acontecimentos. 
  • Uma pintura realista de fácil leitura por todas as camadas sociais.


1 de novembro de 2013

Diogo Teixeira, Incredulidade de S. Tomé, 1595

Diogo Teixeira, Incredulidade de S. Tomé, 1595
óleo sobre tábua, finais do século XVI
Museu de Arte Sacra do Mosteiro de Arouca




Será a metáfora para a pose teatralizada, corpo anatomicamente robusto, tonalidades ácidas e baças, atmosferas sombrias em que destacam a figura central para primeiro plano. Eis o perfil metafísico e espiritualista do maneirismo contra-reformista português. Cristo deixou de ser esquelético. A ressurreição, contra-reformista, tornou-o homem de porte atlético.
O realismo do tratamento cuidado dos tecidos criando atmosferas volumétricas de forte intensidade plástica admite por sua vez uma liberdade criativa, conferindo às figuras principais o protagonismo histórico deixando as restantes personagens, que se perfilam na retaguarda, acentuar o dramatismo céptico e expectante da figura de S. Tomé. A elegância da modelação das formas anatómicas criadas por uma harmonização lumínica transfigura Cristo num ente palpável, mais verdadeiro. Tão verdadeiro que o Seu gesto vigoroso de segurar a mão incrédula, torna verosímil a acção e a chaga penetrada pelos dedos desconfiados de S. Tomé. Ver para crer.
Diogo Teixeira inspirou-se numa gravura de Dürer nesta sua composição que por sua vez mereceu agrado dos seus contemporâneos dadas as inúmeras réplicas pintadas por imitadores seiscentistas[1].
Esta nova ética do corpo[2], nada mais é que a forma mais espectacular, de um corpo flagelado em definitivo, a mais difundida, de um tema estóico que o cristianismo retomou para fazer pesar sobre nós durante dezoito séculos: a rejeição do prazer -a libido[3].
Para a arte, o essencial foi o endurecimento da posição corpo, como extensão do eros corruptível ao da humanidade assumida por Cristo na Encarnação -logos.
As “constituições sinodais” dos bispados, bastante divulgadas após Concílio de Trento, normalizavam por toda a parte a representação artística, «precavendo os artistas e quem lhes encomendava obras contra as “imagens de formosura dissoluta” ou que “dêem ao povo ocasião de erro, ou escândalo”»[4].
Estavam lançados os alicerces da “arte portuguesa” a partir da adopção de um “corpo elegíaco[5]”, como dogma iconográfico.







[1] É sabido da grande importância das gravuras e a obra de Dürer teve na pintura em geral e na portuguesa em particular. As gravuras funcionavam para os pintores e escultores como os tratados de arquitectura para os arquitectos. E se o tratado do Vitrúvio foi “bíblia clássica” para os novos tratadistas (Alberti, Bramante, Sebastião Serlio, Vignola, Palladio, Scamozi, Pietro Cataneo, etc.) tornando bem claro os cânones clássicos que a arquitectura havia de obedecer; ordem, simetria, proporção, forma, para a arte portuguesa regia-se pelo dogma religioso.
[2] O corpo, essa «forma, segundo José Fernandes Pereira, essa incontornável presença do mundo e da condição humana, era um marco disperso pela terra como ordem e sinal, sendo do domínio da arte. A beleza era outra coisa, pressupunha a eliminação da Multiplicidade e a relação ao Uno incorpóreo, fonte do nosso desejo que o despojamento e o amor permitem alcançar». in Vieira Lusitano 1699-1783, o desenho, Catálogo, Ministério da Cultura, Museu de Arte Antiga, Lisboa, 2000, pp.14-15.
[3] O grande teólogo Hugues de Saint-Victor acrescentaria ainda: «se o acasalamento dos pais não puder ser feito sem desejo carnal, a concepção dos filhos não se faz sem pecado». Citado por Georges Duby, Amor e sexualidade no Ocidente, p.200.
[4] Flávio Gonçalves, A legislação sinodal portuguesa da Contra-Reforma e a Arte Religiosa, in Comércio do Porto, Fevereiro, 1960.
[5] A representação figurativa do corpo, na arte portuguesa, limitava-se, salvo raras excepções, a veicular dor, sofrimento, martírio, compaixão. Este corpo elegíaco fará escola no romantismo português.